quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Kairos e Chronos: a percepção de tempo I



Kairos era o filho caçula de Zeus (algumas versões dizem de Chonos), jovem atlético e de extrema beleza, e que se movia muito rápido, pois portava asas nos ombros e nos pés. Usava cabeça raspada, deixando apenas um belo tufo de cabelo na testa, e a razão para isso é que as pessoas só podiam agarrá-lo pela frente, pegando no tufo de cabelo. Ele era tão rápido que sequer Zeus conseguia pegá-lo depois que tivesse passado.







Na estrutura temporal da civilização moderna, geralmente se emprega uma só palavra para significar o "tempo". Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: khronos e kairos. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou sequencial o tempo que se mede, esse último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o "tempo de Deus", enquanto khronos é de natureza quantitativa, o "tempo dos homens". Então na mitologia grega Chronos é o deus do tempo e das estações, mas ele não era a única referência imaginária que os habitantes da Grécia utilizavam para classificar o tempo, Kairos era a outra. 

Kairos, significando “o momento certo” ou “oportuno”, Kairos opunha-se ao tempo cronológico, este tempo sequencial que medimos por quantidades: em dias, números e horas. Kairos corresponde ao tempo existencial, à qualidade da experiência vivida e, nesse sentido, equivale a um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece.

Bem, o que quero dizer com isso? Existem várias maneiras de se vivenciar os acontecimentos na vida. Tem pessoas muito apegadas ao tempo, aos protocolos, planejam tudo. Este domínio de Chronos pode escravizar, engessando a vida numa busca incessante por controle. A supremacia do tempo cronológico na regulação da experiência pode nos tornar temerosos a tudo que foge à ordem pré-estabelecida. Mais do que isso, ao priorizarmos Chronos em nossa consciência, corremos o risco de sufocar o potencial psicológico de kairos no inconsciente, negando à mente o espaço necessário para a fruição com o que não é planejado. 

Dominada pelo modelo temporal de Chronos, nossa vida não se beneficia do contraponto adaptativo de Kairos, deixa de ser um instrumento de integração ao ciclo da vida. Esse desequilíbrio perceptivo nos leva a temer o fluxo temporal que assinala a experiência biológica e nos prepara física e emocionalmente para os diversos papeis que devemos representar no decorrer da existência. Assim, quando relegamos Kairos ao obscurantismo da inconsciência, Cronos emerge apenas como o ceifador terrível, aquele que nos rouba o tempo de viver devorando os dias e as experiências neles vividas. 

A dominância de Chronos não apenas nos rouba a confiança na capacidade de adaptação ao desconhecido e inesperado, ela também nos rouba o sentimento de que os eventos da vida, por mais inusitados que sejam, atendem a um propósito, a um sentido e a um significado que faz com que a nossa história seja a expressão do um destino individual. Por essa razão os pitagóricos, que explicavam todo o Universo por relações numéricas, identificavam Kairos como o número sete e o chamavam Oportunidade. Por que? Porque Pitágoras dizia que o sete carrega a vibração que propicia toda criação; vibração essa que provocou a  descontinuidade entre o Nada (contínuo) e o Universo Criado. 

Analogamente, Kairos provoca uma descontinuidade nesse tempo burocrático de Chronos, propiciando-nos ocasiões diversas, mas a realização de um tempo especial, significativo fica por nossa conta. Afinal, somos os protagonistas de nossa própria história - Kairos precisa ser pego de frente pelo tufo de cabelo, lembra? Depois, o momento propício passa.


Fontes:

grupopapeando
viveredevanear
somostodosum

2 comentários:

  1. Gostei, Andréia! Interessante conhecer um pouco da maneira como os antigos explicavam essas duas facetas do tempo: a continuidade e a descontinuidade. Parece mesmo que não existe nada de novo sob o sol: tive contato com idéia semelhante nos escritos de Walter Benjamin, um filósofo alemão da primeira metade do século XX que era fascinado pela explosão do continuum temporal que está na origem dos momentos de renovação das manifestações humanas. O detalhe é que, segundo ele, a revolução vem do passado, ou de sua irrupção repentina e salvadora no contexto da atualidade.
    Bj

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    1. Oi td bem? procurei por Walter Benjamin e encontrei uma coisa muito interessante:

      "a redenção (do tempo passado) para Benjamin não é tão somente abarrotada de bons sentimentos, no sentido de que o próprio ato de rememorar possibilita a salvação do presente ou a conservação do passado.A memória rememorada traz ao presente esperanças irrealizadas de outrora, aquilo que não foi ou que foi e foi relegado, e também a “necessidade” de evitar catástrofes."

      Bem me lembrou o processo terapêutico. Nem tudo que se lembra é agradável...

      Obrigada pela leitura gentil e por compartilhar tão bela concepção de tempo.
      Bj
      Deia

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